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Cisma do Oriente

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Mensagem por Daniel Silbernagel Qua Set 07, 2011 9:57 pm

O que de fato foi o Cisma do Oriente? Nos primórdios existiam 5 patriarcados:Jerusalém, Constantinopla, Alexandria, Antioquia e Roma e o papa sempre foi o primus inter pares, as coisas eram decididas entre os cinco, mas o Bispo de Roma sempre foi o 1° entre os demais, mas o que aconteceu, o porque do Cisma..já que as igrejas de ritos ortodoxos se mantém unidas ainda hoje e outras buscam um diálogo com nossa Igreja Romana? Bem sabemos que o Cisma ocorreu em 1054 , mas foi realmente porque Miguel Cerulário tornou-se Patriarca de Constantinopla e resolveu perseguir as latinas nessa cidade? Ou a questão é mais complexa ?
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Mensagem por Pe. Anderson Qui Set 08, 2011 4:20 pm

Caro Daniel,

Criei esse tópico para começar a responder as suas questoes. Há um site muito bom sobre esse tema, que é da arquidiocese da Igreja Ortodoxa Grega em Buenos aires e na América Latina. Há muitos textos de História e da Teologia sobre a igreja ortodoxa e também sobre o trabalho ecumênico. Está quase tudo em portugues e há documentos importantes ali para a História da Igreja.

Coloco aqui um texto sobre o tema que me pareceu muito bom. Se nao lhe esclarecer, podemos continuar discutindo. Grande abraço.

«Um pouco de história da Ortodoxia e das cisões no seio da Igreja Una»
A visão de um leigo católico-romano de coração ortodoxo
Por: César Henrique Martins

Contendo ainda:
Alguns exemplos de visão ortodoxo-bizantina do primado romano: Carta do Arcebispo de Nicomédia, Nicetas, a um Bispo da Igreja Ocidental (1136 d.C.)
A visão do primado de Roma expressa por um teólogo ortodoxo de grande liderança
Cânon 28 do Concílio Ecumênico de Calcedônia: Acerca da primazia de Constantinopla após Roma e sobre os demais patriarcados de Alexandria, Antioquia e Jerusalém.
«Uma visão catequético-romana do cisma entre Oriente e Ocidente»

Una, Santa, Católica, Apostólica e Ortodoxa Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo fora governada, a partir do Século V, por cinco patriarcas estabelecidos pelo Concílio Ecumênico de Calcedônia (451 d. C.), a saber, em ordem honorífica, Roma, Constantinopla, Alexandria, Antioquia e Jerusalém. A precedência de Constantinopla sobre Alexandria, negada desde então pelos Romanos Pontífices à revelia do Cânon 28 de mencionado concílio, só foi reconhecida no pontificado de Adriano II, no 8° Concílio Ecumênico de Constantinopla (869-870), para os romano-católicos. Os patriarcados de Roma, Alexandria e Antioquia foram fixados em Nicéia (325); o de Constantinopla, em 381, visto que a cidade (nova capital do império romano) fora fundada em 330 por Constantino Magno; já o de Jerusalém foi estabelecido em Calcedônia (451), formando-se então o conceito de Pentarquia, ou seja, o governo da Igreja exercido pelos cinco patriarcas acima, em perfeita sintonia e harmonia, ao menos em teoria. Na prática, entretanto, desde o início da história desses patriarcados houve rivalidades por vezes cabais entre suas respectivas sés. Enquanto no Oriente se desenvolvia o conceito teológico-especulativo, no Ocidente predominava a tendência jurídico-organizativa.

Os primeiros conflitos surgiram no Século V entre as escolas teológicas Antioquina e Alexandrina: conquanto ambas reconhecessem a dupla natureza de Cristo, a primeira sopesava Jesus-Humano e a segunda enfatizava Jesus-Divino. Longe do desejo de ferir a verdadeira religião e – portanto – a pureza da fé ortodoxa, muitos bispos de ambos os lados radicalizaram o debate de suas posições extremistas e se separaram da reta doutrina expressa nos concílios ecumênicos de Éfeso (431) e de Calcedônia (451). Desta seara, surgiram as igrejas nestorianas, monofisitas e – mais tarde – monotelitas (como, por exemplo, a atual de rito maronita, antes de sua reintegração a Roma no Século XII).

Na tentativa de conciliar heresia e ortodoxia, grande parte dos imperadores bizantinos dos Séculos V, VI e VII, em linha cesaropapista, tentou buscar junto a seus teólogos (na maioria bizantinos, visto serem inegavelmente os mais cultos) fórmulas de fé que garantissem o restabelecimento da unidade religiosa há muito perdida.

De outra banda, regiões afetas às supostas heresias, como Egito, Armênia, Síria e Pérsia (império rival), demonstravam pouco interesse em acatar ordens e decretos imperiais de Constantinopla, dado seu caráter nacionalista e o desejo de independência política de Bizâncio. A parcela dessas igrejas regionais que aderiu às posições do governo imperial e, por conseguinte, à linha de Calcedônia, foi alcunhada pelos opositores de melquita, ou seja, partidária do basileu, e traidora das causas políticas nacionais. Logo, percebe-se que a separação religiosa de nestorianos e monofisitas foi reforçada por fatores de ordem política, dentre os quais o sentimento de rejeição ao governo imperial de Constantinopla.

Na longa história dos oito primeiros sínodos gerais, era comum grupos de bispos (na maioria do Oriente) pedirem a Roma o arbítrio de seus pontos de vista divergentes em matéria de teologia. Entretanto, aqueles que tinham seu ponto de vista derrotado negavam à Igreja Romana autoridade quanto à decisão proferida e não raro exigiam do imperador bizantino a decretação de concílios ecumênicos. A fim de estabelecer a paz religiosa, a qual certamente fortaleceria a unidade e hegemonia política do império, o basileu não só convocava concílios como determinava a todos os bispos do império e adjacências que a eles comparecessem e votassem as matérias em conflito. Em geral, mas não em regra, a presidência desses concílios estava a cargo de representantes do Romano Pontífice, pois este raramente comparecia às sessões, havendo registro histórico de presença a apenas um deles, o II de Constantinopla – V Ecumênico (553), pelo Papa Virgílio. Quando não era possível a decretação de concílio ecumênico ou simplesmente não era vontade do imperador fazê-lo, baixavam-se decretos imperiais obrigando-se todos os bispos às suas decisões.

Na tarefa de conciliar erro e verdade, por vezes os patriarcas (não excetuado o Papa de Roma) eram arrastados à heresia para satisfazer a vontade do imperador. Assim aconteceu, por exemplo, com os Papas Virgílio e Honório (de Roma) e com os Patriarcas Acácio e Sérgio (de Constantinopla). Virgílio, por exemplo, hesitara em subscrever a condenação, ainda no II Concílio de Constantinopla (553), dos famosos três capítulos de escritores de tendência antioquino-nestoriana. Já Acácio de Bizâncio fora excomungado por Félix, bispo de Roma, uma vez que para este a sé imperial havia se afastado da linha de Calcedônia ao impor a seus súditos uma solução intermediária cognominada “Henotikon”, decretada pelo basileu em 482, sem nem mesmo mencionar a Carta de São Leão Magno, papa romano, cujo conteúdo servira de base para a formulação da doutrina das duas naturezas de Cristo no sínodo calcedoniano. Um pouco mais tarde, em 519, o imperador Justino restabeleceu a linha de Calcedônia e a comunhão com a Santa Sé de Roma.

Já no Século VII, o papa romano Honório – embora não tenha sido propriamente autor de doutrina herética – julgou de bom alvitre evitar maiores discussões em torno das naturezas e vontades de Cristo, apoiando genericamente a doutrina do patriarca Sérgio de Constantinopla exposta em lei imperial denominada “Ekthesis”, uma vez mais a pedido do basileu para novamente se tentar a reunificação das igrejas separadas. É interessante observar que estes dois últimos patriarcas (Honório e Sérgio) foram solenemente condenados no VI Sínodo Ecumênico (III de Constantinopla) em 681, mas o espírito de condescendência e subserviência da igreja ao poder imperial cobriu de silêncio todos imperadores que patrocinaram mais essa heresia.

De toda a exposição acima, pode-se depreender que apesar de o poder político imperial ter proporcionado a consolidação e expansão missionária do catolicismo “uno e indiviso”, de outro lado ele trouxe sérios problemas internos às igrejas apostólicas, uma vez que em várias ocasiões, como se viu anteriormente, tentara usurpar o direito inalienável do colégio episcopal de legislar a respeito de teologia e doutrina. Ao imiscuir em assuntos eclesiásticos, os imperadores mais atrapalhavam que ajudavam as comunidades a reconstruir a autêntica unidade de fé. Vale lembrar que o Ocidente, em linhas gerais, nunca concordou com tal estado de coisas.

Sobre as relações dos patriarcados ortodoxos do Oriente com a Santa Sé Romana entre os Séculos V e XI, deve-se ressaltar que a igreja ocidental sempre estivera – em teoria – menos afeta às questões políticas do império bizantino que as demais sedes do Leste. Na prática, contudo, os papas se ressentiram contra os imperadores bizantinos que, aos poucos, iam diminuindo os territórios de jurisdição patriarcal romana – a leste da Itália – em favor do patriarcado ecumênico. Em tal cenário, o cesaropapismo bizantino começou a ser repelido pelos papas romanos e, com o passar do tempo, novos poderes políticos, alguns bastante efêmeros, estabeleciam-se na parte ocidental do antigo império romano com apoio papal. Logo, apesar de amplamente reconhecida por toda a igreja como primeira sé da Cristandade, com o direito de atender a chamados de diversas partes do orbe, Roma – por estar fora da influência política e cultural de Bizâncio – acabou se afastando e se isolando do mundo católico dos gregos, tornando-se mesmo até estranha para estes. Como ela podia, no campo político, estabelecer alianças com estranhos, visto ser o império bizantino de fato o legítimo herdeiro da antiga tradição romana?

Os conflitos de ordem cultural, política, racial e até mesmo religiosa tornaram-se inevitáveis e o bispo romano passou a ser considerado traidor (persona non grata) da causa bizantina de expansão e reconquista política e territorial do ocidente. Como podiam os bizantinos aceitar, na prática, o primado fático de um bispo que, em tese, estava fora de sua esfera política e cultural? É nesta ótica, pois, que também deve ser analisado todo o processo de cisma entre as igrejas latina e grega, integrantes da ortodoxia cristã central protomilenar. Não fossem ainda outras causas de cunho teológico, disciplinar e de costumes, poder-se-ia restabelecer o estado de coisas anteriormente reinante, ou seja, a unidade na diversidade.

Inovações como o filioqüe dos latinos, a imposição de um primado jurisdicional de Roma sobre toda a igreja, o celibato obrigatório para diáconos e presbíteros no Ocidente, bem como o uso de pão ázimo na Eucaristia, dentre outros elementos, acirraram ainda mais os ânimos de lado a lado e tornara-se impossível uma comunhão de vida e pensamento entre orientais gregos e ocidentais latinos. O patriarca de Roma passou a ser considerado um bispo de origem bárbara, e para os bárbaros do Ocidente!

Mesmo diante de todo o quadro político-histórico já elucidado, o Oriente jamais deixara de reverenciar o Bispo de Roma – mesmo nos tempos de crise entre as partes – e nele reconhecer a primazia de amor entre os irmãos patriarcas. Tanto assim que o patriarca bizantino Inácio (Século IX), sentindo-se injustiçado por sua abdicação forçada pelo poder temporal, recorreu a Roma para tentar reverter a situação. Partidários seus também o fizeram. Por outro lado, o novo patriarca entronizado (o polêmico mas douto Fócio) anunciou ao papa romano Nicolau I (o intransigente) sua posse no trono patriarcal de Bizâncio e de plano aceitou o inquérito promovido pelos delegados papais quando de sua visita a Constantinopla em 861, a pedido do imperador Miguel III. No entanto, o fato de o papa romano Nicolau ter se recusado a ratificar o procedimento de seus legados, os quais reconheceram a nomeação de Fócio e a destituição de Inácio, causou profunda indignação no seio da igreja bizantina.

Para esta, a atitude papal era tida como intervenção anti-canônica em assuntos internos do patriarcado. O que pretendia o papa? Julgar outra vez sua igreja? Mas ele teria esse direito? Com base em que decisão conciliar anterior? O Concílio de Sárdica (343) previa tão-só a possibilidade de recurso à Santa Sé Romana dos clérigos condenados por suas autoridades locais ou regionais em toda parte. Mas querer julgar novamente a sua igreja e se portar como juiz supremo numa questão que não era de fé, mas muito mais político-administrativo e interna da igreja de Bizâncio, era um pouco demais.

Graças ao Espírito Santo, todavia, e após os concílios gerais de 869-870 (ecumênico para os romano-católicos) e de 879-880 (ecumênico para os grego-ortodoxos), ou seja, pouco mais de vinte anos depois, Oriente e Ocidente restabeleceram laços de amizade e a paz voltou a reinar na cristandade. O papa romano João VIII e o patriarca ecumênico Fócio chegaram a manter relações pacíficas em época posterior a esses tristes fatos e somente cerca de duzentos anos mais tarde (1054) ocorreria a excomunhão recíproca entre as igrejas, nas ilustres pessoas do Patriarca Miguel Cerulário e do Cardeal Humberto da Silva Cândida. Observe-se – salvo melhor juízo – que as excomunhões eram pessoais e não atingiam as igrejas bizantina e romana enquanto tais.

Finalizando a presente exposição, volta-se ao objetivo inicial: todos os cismas e heresias havidos na Igreja Una e Indivisa Protomilenar foram causados por exageros em torno de verdades consensuais, isto é, os homens daquela igreja em geral não tinham a intenção de macular a íntegra e pura fé; antes, baseados em suas opiniões e paixões pessoais, levavam a cabo suas teses, radicalizando-as. Se não vejamos: os nestorianos foram longe demais em sua abordagem acerca do Jesus-Humano, como se este nunca houvera sido Deus; já os monofisitas foram igualmente longe demais em sua abordagem acerca do Jesus-Divino, como se este nunca houvera sido Homem; os católicos-romanos, longe demais ao afirmar a primazia de sua sede sobre as outras, a qual sempre fora reconhecida no plano fático e da honra, mas não em termos de uma infalibilidade pessoal e de uma jurisdição universal do pontífice romano. E todos os patriarcados, exceto o de Jerusalém – talvez por ter sido o mais novo em ordem de criação e o menos influente nas decisões da Igreja no curso de sua história – cometeram lá suas heresias: 1. Antioquia e Alexandria, conforme já visto (nestorianismo e monofisismo); 2. Constantinopla, na tentativa de restabelecer a unidade com os grupos orientais dissidentes, entrou em cisma com Roma pelo “Henotikon” – já elucidado anteriormente – e foi a autora do monotelismo na pessoa do Patriarca Sérgio, com apoio genérico do papa ocidental romano; foi também no patriarcado de Constantinopla que veio à tona o sangrento iconoclasmo, combatido ferozmente pelos monges e pelo povo simples do império. Foram necessários dois concílios para sepultar de vez a perigosa heresia de destruição das imagens sacras: o VII Ecumênico – II de Nicéia, em 787, e o constantinopolitano de 861. Mesmo assim, as estátuas são até hoje proibidas nas Igrejas Ortodoxas, permitindo-se apenas ícones (imagens planas); e 3. Roma, com suas inovações teológicas (exemplos principais: filioqüe, purgatório, imaculada conceição de Nossa Senhora e insistência no primado jurisdicional e, mais tarde, na infalibilidade do papa romano), litúrgicas e disciplinares (as quais são tantas que não convém enumerar).

Convém lembrar aqui o heroísmo do patriarca Sofrônio de Jerusalém, o qual se insurgiu contra as teses do monotelismo em meados do Século VII, denunciando-as. Apesar de todas as falhas humanas dos eclesiásticos, a unidade era preservada à medida que os patriarcados voltavam às decisões conciliares e retomavam a fé tradicional. Seguramente, nos oito primeiros séculos, o patriarcado ocidental romano foi o que menos vacilou em termos de fé, mantendo virtualmente intacta a ortodoxia doutrinária (talvez pela mera falta de criatividade de seus teólogos, os quais consideravam fúteis os debates teológicos do Oriente, cujos protagonistas eram inegavelmente mais cultos e combativos). Constantinopla – sede do poder temporal – sempre tentou apaziguar os ânimos e propor soluções intermediárias e conciliatórias, como se observou antes, e o resultado prático eram mais conflitos ou novas heresias, nunca o restabelecimento da unidade eclesial.

Destarte, faz-se necessário um encontro entre todas as lideranças das igrejas apostólicas a fim de que tais questões possam ser colocadas à mesa, discutidas e, assim, buscadas soluções conjuntas, livres de paixões pessoais, ressentimentos, antipatias raciais, orgulho e outros preconceitos. Só assim se poderá restabelecer a unidade e a ortodoxia da Grande Igreja SANTA, CATÓLICA e APOSTÓLICA de Nosso Senhor Jesus Cristo. Amém!



«Alguns exemplos de visão ortodoxo-bizantina
do primado romano»

Carta do Arcebispo de Nicomédia, Nicetas, a um Bispo da Igreja Ocidental (1136 d.C.)

«Meu caríssimo irmão [...] nós não negamos à Igreja de Roma o primado entre os irmãos patriarcas; e reconhecemos seu direito de ocupar o lugar de maior honra em um concílio ecumênico. Mas ela separou-se de nós por seu orgulho, ao usurpar uma monarquia que não era própria de seu ofício [...] Como poderíamos aceitar seus decretos, promulgados sem que fôssemos consultados, e até sem o nosso conhecimento? Se o pontífice romano, assentado no sublime trono de sua glória, quer trovejar contra nós e, por assim dizer, gritar-nos do alto as suas ordens, e se ele pensa em julgar-nos, e mesmo em governar-nos a nós e a nossas igrejas, não com o nosso conselho, mas de modo arbitrário e a seu bel-prazer, que espécie de fraternidade, ou mesmo, que espécie de paternidade é esta? [...] Seríamos escravos e não filhos de tal Igreja, e a Sé Romana, deixaria de ser a mãe piedosa de filhos para tornar-se uma severa e arrogante senhora de escravos [...] Peço-lhe perdão por falar assim da Igreja de Roma, que eu venero tanto como você, mas eu não posso segui-la em tudo, como você; e penso mesmo que ela não deve ser necessariamente seguida em tudo.»

Esta era, na época, a atitude característica do setor esclarecido e expressivo da Igreja bizantina, num momento em que as divisões entre Oriente e Ocidente ainda não se haviam solidificado em cisma definitivo. O reconhecimento do primado pontifício ligava-se à convicção de que um governo monárquico da Igreja universal era contrário tanto aos cânones como à Tradição; o respeito pela Sé romana e seu titular aliava-se à crença de que a infalibilidade doutrinária da Igreja não se exprimia pela voz de um só bispo, por mais alta que fosse sua posição, mas pela Igreja toda, representada pelos bispos reunidos em Concílio Ecumênico. A veracidade desta tese pode ser atestada pelas solenes exclamações dos bispos ao término dos atos conciliares ecumênicos de Calcedônia (451) e de Constantinopla III (681): “Pedro falou pelos lábios de Leão”; “Pedro falou pelos lábios de Agatão”. Em suma, até meados do Século XI da história do cristianismo universal, e em alguns casos até um pouco mais tarde (início do Século XIII, funesto período das Cruzadas), o primado papal era explicitamente reconhecido pela maioria do clero bizantino, mas sempre num contexto colegiado, ou seja, do Romano Pontífice – como sucessor de São Pedro de uma forma especial – à frente do processo, porém nunca sozinho.

Apesar de a data de 16 de julho de 1054 representar oficialmente a ruptura entre as cristandades oriental e ocidental (a bem da verdade, leia-se entre Constantinopla e Roma), o mesmo não pode ser dito relativamente a dois dos demais patriarcados melquitas do Oriente: em Antioquia, somente a partir de 1100 d. C. passaram a existir, lado a lado, duas hierarquias eclesiásticas rivais – a grega e a latina; já em Jerusalém, somente a partir do ano de 1188, aproximadamente (portanto às vésperas da sangrenta cruzada dos ocidentais latinos sobre Constantinopla – 1204 d.C.), o patriarca ortodoxo local passou a não reconhecer mais o patriarca latino. Logo, o primado da Santa Sé Romana e de seu titular era visto pelo Oriente numa perspectiva horizontal e de liderança (como numa fila: primeiro Roma, após Constantinopla, depois Alexandria, e assim sucessivamente), ao passo que pelo Ocidente, numa perspectiva vertical e centralizadora (hierarquicamente, ou seja, Roma sobre Constantinopla, Alexandria, Antioquia e Jerusalém).

Fontes Principais:

Nova História da Igreja Católica, Volume II (David Knowles e Dimitri Obolensky)
Autor: César Henrique Martins, Campinas - SP
(e-mails: henryrazec@ig.com.br / henryrazec@hotmail.com

«A visão do primado de Roma expressa por um teólogo ortodoxo de grande liderança»

«A Igreja una, santa, católica e apostólica deve existir no mundo como uma Igreja unida, ordenada e visível, uma Igreja universal; e a função e o carisma dos primados consistem em servir de centros de comunhão, unidade e coordenação. Existem primados locais e regionais (metropolitas, patriarcas) e um primado universal. A eclesiologia ortodoxa nunca negou que, tradicionalmente, esta última primazia – universal – pertencia à Igreja de Roma. No entanto, foi a interpretação de tal primado em termos de uma infalibilidade pessoal do Romano Pontífice e de seu poder jurisdicional universal que levou o Oriente ortodoxo a rejeitá-lo.»

Observe-se, a propósito, que as Igrejas Ortodoxas Orientais viveram séculos e séculos mantendo a união com Roma, sem jamais concordar plenamente com todas as declarações dos papas feitas a respeito do primado e da jurisdição universal, embora ainda aceitando o fato do primado, conforme já visto anteriormente. Fonte: The Orthodox Tradition (Schmeemann, A.)

Cânon 28 do Concílio Ecumênico de Calcedônia: Acerca da primazia de Constantinopla após Roma e sobre os demais patriarcados de Alexandria, Antioquia e Jerusalém.

«Tendo escrupulosamente presentes as decisões dos Santos Padres Conciliares, eis o que deliberamos e votamos acerca do Santo Sólio de Constantinopla, a Nova Roma: ‘Os antigos e veneráveis Padres da Igreja atribuíram poderes especiais ao Santo Sólio da Velha Roma em virtude do poder régio de que gozava a cidade; pela mesma razão, cento e cinqüenta bispos pios atribuíram os mesmos privilégios e a mesma dignidade ao Santo Sólio de Constantinopla, a Nova Roma, alegando justamente que a cidade, Sede do Reino e do Senado, deve usufruir das mesmas prerrogativas da antiqüíssima rainha Roma, ficando em segundo plano (lugar), nos assuntos eclesiásticos, após aquela, na ordem dos poderes.»

Pelo teor do enunciado em epígrafe, conquanto seja inegável o fato de a Igreja Bizantina ter sempre reconhecido historicamente à Sé de Roma a primazia sobre todas as outras Igrejas e ao papa romano o título de primeiro bispo da Cristandade, percebe-se que a natureza deste primado nunca foi por ela definido com bastante precisão; os orientais o atribuíam menos à origem apostólica da Sé Romana (São Pedro), que à sua localização na antiga capital do Império Romano, bem como ao fato de ter guardado virtualmente intacta a ortodoxia doutrinária. Era, assim, pouco mais que um primado de honra e, pelo menos em algumas ocasiões, incluía o reconhecimento do direito de um clérigo, condenado por suas autoridades eclesiásticas, apelar para Roma de acordo com os cânones 3, 4 e 5 do Concílio de Sárdica (343 d.C.).

Fonte:

Concílios Ecumênicos (Hubert Jedin); Nova História da Igreja Católica, Volume II (David Knowles e Dimitri Obolensky).


«Uma visão catequético-romana do cisma entre Oriente e Ocidente»

Embora um pouco superada em face do diálogo inter-eclesial católico-ortodoxo, eis o que ensinava um livro de religião escrito nos anos 70 e muito utilizado nos colégios religiosos brasileiros – como salesianos, jesuítas e outros – para a juventude cristã romano-católica em nível secundário. Após brevemente descrever as razões históricas do cisma, como o cesaropapismo bizantino, a questão de Fócio e a recíproca excomunhão entre gregos e latinos em 1054, finaliza como segue:

«A Igreja Ortodoxa manteve suas doutrinas e formas de culto originais com grande fidelidade. Seus sacerdotes são verdadeiros sacerdotes que ministram sacramentos válidos. Mas, quando se isolou da unidade papal, afastou-se do fluxo principal da Igreja. As tentativas para fechar a brecha (no décimo quarto Concílio Ecumênico, em Lião, em 1274, e no décimo sétimo, em Florença, em 1438), fracassaram mais devido ao preconceito e suspeita mútuas que por diferenças dogmáticas. Esse preconceito ainda subsiste, mas há esperança de que, com a boa vontade de ambas as partes, venha a diminuir gradativamente e de que a unidade entre Oriente e Ocidente seja afinal restaurada. Os católicos do Ocidente têm pensado, com demasiada freqüência, que a Igreja é apenas latina e que sua parte Ortodoxa é apenas grega: na verdade, ela é católica e universal.»

Considera-se em parte ultrapassada a visão acima em razão de a Igreja Ortodoxa não ser mais vista por sua irmã Romana como “a ovelha desgarrada”, ou “a cismática contumaz”, ou ainda “o ramo separado que deve ser lançado ao fogo”, como prelecionavam os antigos catecismos e livros de história romano-católicos. Graças ao Espírito Santo que não seja mais assim; isto é o sinal dos tempos, de bons tempos em busca de perdão e compreensão recíprocos, amizade, entendimento e unidade. Mas, embora conservador na prática e mais pró-romano, tal ensinamento reconhece acima de tudo a índole histórica da Igreja Ortodoxa (com “o” maiúsculo – institucional – e minúsculo – correspondente de fato à verdadeira igreja), ao afirmar que ela “manteve suas doutrinas e formas de culto originais com grande fidelidade”; e reconhece de plano, ainda, seus sacerdotes e a validade dos sacramentos por eles ministrados em virtude de inegável sucessão apostólica (material e espiritual), bem como parcela de responsabilidade da Igreja de Roma no grande cisma ao utilizar termos como “preconceito e suspeita mútuas” e “boa vontade de ambas as partes”. Há anos atrás, dizia-se impropriamente “O Grande Cisma Oriental”. Mas o catecismo romano-católico dos bispos holandeses – felizmente em trecho não impugnado pelo Vaticano – veio corrigir essa distorção da verdade histórica: “Desde aquela época (1054), as igrejas orientais se encontram separadas da Sé de Pedro e vice-versa”, ou seja, a Sé de Pedro também se encontra separada das igrejas orientais.

Para finalizar, cita-se a oração pela unidade dos cristãos aposta no atual cânon romano da Santa Missa:

«Senhor Jesus Cristo, dissestes a Vossos Apóstolos: Eu vos deixo a paz; eu vos dou a minha paz. Não olheis os nossos pecados, mas a fé que anima a Vossa Igreja; dai-lhe, segundo o Vosso desejo, a paz e a unidade. Vós que sois Deus, com o Pai e o Espírito Santo. Amém.»

E também a do missal bizantino, em sua primeira súplica da Grande Iriniká:

«Pela paz do mundo inteiro, pela estabilidade das Santas Igrejas de Deus e pela união de todos, oremos ao Senhor! Senhor, tende piedade. (Kyrie Eleison)».

Que chegue logo, enfim, o dia da tão sonhada unidade eclesial entre as igrejas apostólicas, perfeita e completa, um desejo do próprio Cristo!

Fontes Principais:

A História da Igreja em Quadrinhos (Estêvão Bittencourt, O.S.B.); Catecismo dos Bispos Holandeses; A Igreja de Jesus Cristo – Vivendo em Comunidade (Volume IV), Vários Autores, Edições Paulinas.
Autor: César Henrique Martins, Campinas - SP
(e-mails: henryrazec@ig.com.br / henryrazec@hotmail.com

Fonte: http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/dialogo_ecumenico/um_pouco_de_historia_da_ortodoxia_e_das_cisoes_no_seio_da_igreja_una.html

Grande abraço.
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Mensagem por Daniel Silbernagel Dom Set 11, 2011 5:54 pm

Caríssimo padre Anderson, a sua benção! Obrigado pela bela explanação de grande conteúdo histórico.Que Deus Pai Todo Poderoso sempre o ilumine e o guarde.Oremos hoje e sempre pela unidade dos cristãos:Cristo Vive, Cristo Reina, Cristo impera!
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Mensagem por Daniel Silbernagel Sex Out 07, 2011 9:54 am

Caríssimo e estimado Padre Anderson a sua benção! Recebi um e-mail de um conhecido sacerdote ortodoxo da Igreja Grega não ecumênica que está em missões na Grécia, onde o mesmo sacerdote que é brasileiro, diz que a Igreja Católica não foi fundada por Cristo e que Pedro não é seu primeiro Papa.Por questões éticas não cito o sacerdote e transcrevo aqui parte do email:"[u] "Esta e sempre a mentira da Igreja Romana que diz suceder o seu bispo a S. Pedro, quem fundou a Igreja de Roma, foi S. Paulo, S. Pedro so foi um pouco mais tarde para ali morrer, ele foi bispo e fundador do Patriarcado de Antioquia, mas nao do monofisita, por volta do ano 64. Coloquei ontem novo texto onde o sr. podera ver a este respeito que a Igreja de Roma estava para resolver somente casos nao resolvidos em outras circunstancias por ter sido esta a sede do imperio, nos textos da Historia da Igreja e Canones da Igreja o sr. nunca vera esta tentativa de dizer que Roma comanda por ser a sucessora do Santo Apostolo Pedro, depois quando Constantino funda Constantinopla, como o sr. pode ver neste texto e no 2o ou 3o Concilio Ecumenico da Igreja, como a Igreja era em parte controlada pelo imperador e ate o bispo de Roma tinha o posto de senador, ele da o mesmo nivel de igualdade ao Patriarcado de Constantinopla, mas tambem em nada a "historia" de dizer que esta catedra e a sucessora de Santo Andre. Esta "historia" surgiu mais tarde, Constantinopla tornou-se tambem logo apos Roma como sede de decisoes a problemas nao resolvidos com seus metropolitanos, pelo fato politico tambem e devido a Roma estar sofrendo ataques de barbaros, como o sr. pode ver na historia da vida de S. Bento".
Daí a pergunta como já explicitada na Dominus Iesus: A Igreja católica é Fundada por Nosso Senhor e governada por Pedro e fora dela não há salvação". O que dizer sobre esse argumento desse sacerdote ortodoxo?

Pois, como ensina o Concílio, a Igreja, de fato, se encontra plenamente lá onde os sucessores de Pedro e dos outros Apóstolos realizam visivelmente a continuidade com as origens (LG 8b); e a unidade, que é um dom de Deus, de fato foi dada a esta Igreja "e nós cremos que ela subsiste inadmissível na Igreja Católica" (UR 4c), dotada "de toda a verdade revelada por Deus e de todos os meios da graça" (ib 4f). E o Concílio Vaticano II é categórico quando assevera: "Por isso não podem salvar-se aqueles que, sabendo que a Igreja Católica foi fundada por Deus mediante Jesus Cristo como instituição necessária, apesar disso não quiserem nela entrar perseverar" (LG 14a). Mais severo ainda, adverte: "Não se salva contudo, embora incorporado à Igreja, aquele que, não perseverando na caridade, permanece no seio da Igreja "com o corpo; mas não com o coração". Lembrem-se todos os filhos da Igreja de que a condição exímia em que estão se deve não a seus próprios méritos, mas a uma peculiar graça de Cristo. Se a ela não corresponderem por pensamentos, palavras e obras, longe de se salvarem, serão julgados com maior severidade" (LG 14b).Por isso caríssimo padre, peço-vos a graça de uma maior elucidação dos fatos citados.Desde já agradeço e que Deus seja tudo em todos.
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Mensagem por Pe. Anderson Dom Out 09, 2011 5:04 pm

Caro Daniel,

Como vai? Espero esclarecer um pouco das suas questoes aqui. Sei que sao muitas e que nao sao faceis de responder em pouco tempo.

Daniel: a Igreja Católica não foi fundada por Cristo e que Pedro não é seu primeiro Papa.
Por questões éticas não cito o sacerdote e transcrevo aqui parte do email:"[u]
"Esta e sempre a mentira da Igreja Romana que diz suceder o seu bispo a S. Pedro, quem fundou a Igreja de Roma, foi S. Paulo, S. Pedro so foi um pouco mais tarde para ali morrer, ele foi bispo e fundador do Patriarcado de Antioquia, mas nao do monofisita, por volta do ano 64.

Em primeiro lugar a Igreja Católica foi sim a fundada por Cristo, e Pedro foi o seu primeiro líder, foi quem recebeu de Cristo o primado no amor e no pastoreio do seu rebanho. Isso podemos ver no ultimo capítulo de São Joao e no capítulo 16 de São Mateus e em todas as questões importantes presentes no livro dos Atos dos Apóstolos. O primado de Pedro e dos seus sucessores (os Papa) significa em primeiro lugar, primado do amor (“Tu me amas mais do que esses?” perguntou Cristo a Pedro), o primado (“confirma teus irmãos”, disse o Senhor a ele) e no martírio, assim como Cristo anunciou a morte de Pedro, na mesma cena. Como bem recordou o Papa Bento XVI no livro Luz do Mundo, o primado de Pedro nos primeiros séculos significava também o primado no martírio, pois todos os primeiros Papa morreram mártires e eram os primeiros a dar a vida por Cristo, no tempo das perseguições.

Também é verdade que a Igreja Católica não foi fundada sobre Pedro em Roma, mas sim em Jerusalém. A Igreja Católica não é uma instituição européia, mas sim é do meio Oriente, nascida da Cruz de Cristo, manifestada a todos os povos em Pentecostes.

É verdade que Paulo chegou a Roma primeiro que Pedro e que Pedro foi primeiro bispo em Antioquia, antes de ser em Roma. Mas ele também foi para Roma e lá foi o líder da Igreja até sua morte, pois Paulo em nenhum momento quis se colocar acima de Pedro, mas sempre foi unido a ele. É verdade que os dois morreram em Roma por volta do ano 64, na perseguição de Nero, de forma que os Papas são sucessores de Pedro e de São Paulo. Por isso a liturgia da Igreja celebra o martírio dos dois no mesmo dia. Em Paulo a Igreja ve uma imagem da missão universal da Igreja e em Pedro vemos a unidade fundamental de todos os cristãos. Ambos estão presentes e vivos em Roma, na figura do Romano Pontífice.

Daniel: Coloquei ontem novo texto onde o sr. podera ver a este respeito que a Igreja de Roma estava para resolver somente casos nao resolvidos em outras circunstancias por ter sido esta a sede do imperio, nos textos da Historia da Igreja e Canones da Igreja o sr. nunca vera esta tentativa de dizer que Roma comanda por ser a sucessora do Santo Apostolo Pedro, depois quando Constantino funda Constantinopla, como o sr. pode ver neste texto e no 2o ou 3o Concilio Ecumenico da Igreja, como a Igreja era em parte controlada pelo imperador e ate o bispo de Roma tinha o posto de senador, ele da o mesmo nivel de igualdade ao Patriarcado de Constantinopla, mas tambem em nada a "historia" de dizer que esta catedra e a sucessora de Santo Andre. Esta "historia" surgiu mais tarde, Constantinopla tornou-se tambem logo apos Roma como sede de decisoes a problemas nao resolvidos com seus metropolitanos, pelo fato politico tambem e devido a Roma estar sofrendo ataques de barbaros, como o sr. pode ver na historia da vida de S. Bento".

O resto do texto do seu amigo é uma confusão total, tanto no conteúdo quanto na forma. Não consigo entender o que ele quer dizer. Se ele colocasse virgulas, pontos e tentasse dizer uma coisa de cada vez, talvez seu texto seria compreensível.

O fato é que todos os hereges da História da Igreja antiga em algum momento recorreram a Roma, ao Papa, mostrando suas doutrinas a fim de que essas fossem pregadas em todo o mundo. Quando os Papas não as aceitavam, em geral esses então se rebelavam contra a Igreja e contra o Papa. Isso prova que a autoridade dele era reconhecida e só quando esses não pensavam como esses “reformadores” surgia então a divisão.

Há dezenas de textos antigos, da História da Igreja antiga, dos Padres da Igreja que apresentam a Igreja de Roma como “aquela que preside na caridade” (Santo Inácio de Antioquia, bispo Sucessor de São Pedro naquela mesma cidade. Posso lhe enviar com mais tempo vários desses textos, muitos já foram colocados no nosso fórum.

Atualmente o Papel de Pedro e dos seus sucessores como autoridade universal na Igreja é também aceito pela maioria das Igrejas ortodoxas, que parece que seu amigo sacerdote não conhece. Indico o documento mais recente e explícito sobre isso, assinado em 2007, pelas Igrejas ortodoxas e católicas. Esse documento está numa página da Igreja Ortodoxa da Argentina.

http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/dialogo_ecumenico/documento_de_ravena.html
Sobre o tema, o documento escreve:

3. O nível universal
32. Cada igreja local está em comunhão não só com as Igrejas vizinhas, mas com a totalidade das Igrejas locais; com essas agora presentes no mundo, aquelas que estiveram desde o início, e aquelas que estarão no futuro, e com a Igreja já na glória. De acordo com a vontade de Cristo, a Igreja é una e indivisível, a mesma sempre e em todo lugar. Ambas as partes confessam, no Credo Niceno-Constantinopolitano, que a Igreja é una e católica. Sua catolicidade abraça não somente a diversidade das comunidades humanas, mas também a sua unidade fundamental.
33. Está claro, então, que a mesma e única fé têm sido confessada e vivida por todas as Igrejas locais, a mesma e única Eucaristia têm sido celebrada em todo lugar, e o único e mesmo ministério apostólico têm sido exercido em todas as comunidades. Uma Igreja local não pode modificar o credo, formulado pelos Concílios ecumênicos, embora a Igreja sempre deva “dar respostas satisfatórias aos problemas novos, respostas baseadas nas Escrituras e em harmonia e continuidade essencial com as expressões precedentes dos dogmas” (Documento de Bari, n.29). Igualmente, uma Igreja local não pode mudar um ponto fundamental relativo à forma do ministério por uma decisão unilateral, e nenhuma Igreja local pode celebrar a Eucaristia em separação proposital das outras Igrejas locais sem afetar seriamente a comunhão eclesial. Em todas estas coisas uma toca no vínculo da própria comunhão - assim, no mesmo ser da Igreja.
34. É por causa desta comunhão que todas as Igrejas, através dos cânones, regulam tudo que se relaciona à Eucaristia e aos sacramentos, o ministério e a ordenação, o anúncio (paradosis) e a doutrina (didaskalia) da fé. Está claro o porquê neste âmbito regras canônicas e normas disciplinares são necessárias.
35. No curso da história, quando problemas sérios se levantaram afetando a comunhão universal e a concórdia entre as Igrejas – na interpretação autêntica da fé, ou nos ministérios e sua relação com toda a Igreja, ou na disciplina comum que a fidelidade ao Evangelho requer – recorreram-se aos Concílios ecumênicos. Estes Concílios não eram ecumênicos somente porque reuniam-se juntos os bispos de todas as regiões e particularmente aqueles das cinco maiores sedes, Roma, Constantinopla, Alexandria, Antioquia e Jerusalém, de acordo com a antiga ordem (táxis). Era também porque suas decisões doutrinais solenes e suas formulações comuns da fé, especialmente em pontos cruciais, vinculavam todas as Igrejas e todos os fiéis, de todos os tempos e lugares. Isto é porque as decisões dos Concílios ecumênicos permanecem normativas.
36. A história dos Concílios Ecumênicos mostra que são consideradas suas características especiais. Esta matéria necessita ser estudada mais adiante em nosso diálogo futuro, levando em conta a evolução das estruturas eclesiais durante séculos recentes no Oriente e no Ocidente.
37. A ecumenicidade das decisões de um Concílio é reconhecida através de um processo de recepção de longa ou curta duração, de acordo com o qual o povo de Deus como um todo - por meio da reflexão, discernimento, discussão e oração - reconhecem nestas decisões a única fé apostólica das Igrejas locais, que foi sempre a mesma e da qual os bispos são os mestres (didaskaloi) e os guardiões. Este processo de recepção é interpretado diferentemente no Oriente e no Ocidente de acordo com suas respectivas tradições canônicas.
38. Conciliaridade ou sinodalidade envolvem, então, muito mais do que os bispos reunidos. Envolve também suas Igrejas. São portadores da fé dos primeiros e expressam a fé dos últimos. As decisões dos bispos têm que ser recebidas na vida das Igrejas, especialmente em sua vida litúrgica. Cada Concílio Ecumênico recebido como tal, no sentido pleno e próprio, é, portanto, uma manifestação de um serviço para a comunhão de toda a Igreja.
39. Ao contrário dos sínodos diocesanos e regionais, um Concílio Ecumênico não é uma “instituição” cuja freqüência possa ser regulada por cânones; é mais um “evento”, um kairos inspirado pelo Espírito Santo que guia a Igreja para suscitar dentro dela as instituições que ela necessita e que respondem à sua natureza. Esta harmonia entre a Igreja e os concílios é tão profunda que, mesmo após a ruptura entre o Oriente e o Ocidente que tornou impossível a realização de Concílios Ecumênicos no sentido estrito do termo, ambas as Igrejas continuaram a realizar Concílios sempre que crises sérias surgiram. Estes Concílios reuniram juntos os bispos das Igrejas locais em comunhão com a Sé de Roma ou, embora compreendido em uma forma diferente, com a Sé de Constantinopla, respectivamente. Na Igreja Católica Romana, alguns destes Concílios ocorridos no Ocidente foram considerados como ecumênicos. Esta situação, que obrigou ambos os lados da Cristandade a convocar Concílios próprios para cada um deles, favoreceu dissensões que contribuíram para a alienação mútua. Os meios que permitirão o restabelecimento de consensos ecumênicos devem ser procurados.
40. Durante o primeiro milênio, a comunhão universal das Igrejas no transcurso ordinário dos acontecimentos foi mantida através das relações fraternais entre os bispos. Estas relações, entre os bispos entre si, entre os bispos e seu respectivo protos, e também entre os protos na ordem canônica (táxis) testemunhada pela Igreja antiga, alimentou e consolidou a comunhão eclesial. A história registra as consultas, cartas e apelações às principais sedes, especialmente àquela de Roma, que expressam ardentemente a solidariedade que cria koinonia. As providências canônicas tais como a inclusão dos nomes dos bispos das principais sedes nos dípticos e a comunicação da profissão da fé aos outros patriarcas na ocasião das eleições, são expressões concretas de koinonia.
41. Ambos os lados concordam que esta táxis canônica foi reconhecida por todos na era da Igreja indivisa. Mais adiante, eles concordam que Roma, como a Igreja que “preside no amor” de acordo com a frase de S. Inácio de Antioquia (Aos Romanos, Prólogo), ocupava o primeiro lugar na táxis, e que o bispo de Roma era conseqüentemente o protos entre os patriarcas. Discordam, entretanto, na interpretação da evidência histórica desta era a respeito das prerrogativas do bispo de Roma como protos, um assunto que já era compreendido de maneiras diferentes no primeiro milênio.
42. A conciliaridade no nível universal, exercida nos Concílios ecumênicos, implica um papel ativo do bispo de Roma, como protos dos bispos das maiores sedes, no consenso de todos os bispos. Embora o bispo de Roma não convocasse os Concílios ecumênicos dos primeiros séculos e nunca presidisse pessoalmente sobre eles, contudo ele era envolvido de perto no processo da tomada de decisão pelos Concílios.
43. Primazia e conciliaridade são mutuamente interdependentes. Isso é porque a primazia nos diferentes níveis da vida da Igreja, local, regional e universal, deve sempre ser considerada no contexto da conciliaridade, e a conciliaridade do mesmo modo no contexto da primazia. A respeito da primazia nos diferentes níveis, nós desejamos afirmar os seguintes pontos:
1. A primazia em todos os níveis é uma prática firmemente fundamentada na tradição canônica da Igreja.
2. Enquanto que o fato da primazia no nível universal é aceito pelo Oriente e pelo Ocidente, há diferenças de compreensão no que diz respeito à maneira como deve ser exercida, e também no que diz respeito a suas bases escriturísticas e teológicas.
44. Na história do Oriente e do Ocidente, pelo menos até o nono século, uma série de prerrogativas foram reconhecidas, sempre no contexto da conciliaridade, de acordo com as condições dos tempos, para o protos ou kephale em cada um dos níveis eclesiásticos estabelecidos: localmente, para o bispo como protos de sua diocese no que diz respeito a seus presbíteros e povo; regionalmente, para o protos de cada metrópole no que diz respeito aos bispos de sua província, e para o protos de cada um dos cinco patriarcados, no que diz respeito aos metropolitas de cada circunscrição; e universalmente, para o bispo de Roma como o protos entre os patriarcas. Esta distinção dos níveis não diminui a igualdade sacramental de cada bispo ou a catolicidade de cada Igreja local.

Creio que com o dito se responde às perguntas daquele padre. Se não, posso escrever mais coisas adiante. Por hora, meu tempo acabou e já escrevi bastante.

Um grande abraço e estamos à disposição.
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Mensagem por Daniel Silbernagel Qua Ago 15, 2012 11:42 am

A Igreja católica possui 6 ritos. Todas essas igrejas reconhecem o primado do Papa. Trata-se de uma unidade na diversidade.
1 - Rito latino:
Igreja Católica Apostólica Romana
Observe-se que dentro da igreja romana existem quatro ritos, qu...e não se constituem em igrejas:
- rito Latino Romano – é o que conhecemos no Brasil;
- rito Ambrosiano – utilizado na Arquidiocese de Milão, teve sua origem em Santo Ambrósio, mentor de Santo Agostinho;
- rito Moçárabe, oriundo dos árabes convertidos ao cristianismo na Espanha durante a reconquista. Durante muito tempo foi usado apenas numa capela da catedral de Toledo, a diocese primaz da Espanha, e mais nove paróquias. Desde 1993 pode ser usado em todo o território do país.
- rito Galicano ou Lionês - utilizado na Arquidiocese de Lyon, primaz da França.
Ultimamente se tem desenvolvido um uso anglicano, não ainda um rito, para acomodar os anglicanos que se converteram recentemente ao catolicismo. Trata-se de uma forma modificada do rito anglicano.
2 - Rito Bizantino
Igreja Greco-Melquita Católica
Igreja Grega Católica
Igreja Ucraniana Católica
Igreja Rutena Católica
Igreja Eslovaca Católica
Igreja Búlgara Católica
Igreja Iugoslava Católica
Igreja Húngara Católica
Igreja Romena Católica
Igreja Ítalo-albanesa Católica
Igreja Georgiana Católica
Comunidade Russa Católica
Comunidade Albanesa Católica
Comunidade Bielorrussa Católica
3 - Rito Armênio
Igreja Armênia Católica
4 - Rito Antioqueno
Igreja Siríaca Católica
Igreja Maronita
Igreja Siríaca Malankar Católica
5 - Rito Caldeu
Igreja Caldeana Católica
Igreja Siríaca Malabar Católica
6 - Rito Alexandrino
Igreja Copta Católica
Igreja Etíope Católica
Fontes: KHATLAB, Roberto. As Igrejas Orientais, católicas e ortodoxas, tradições vivas. São Paulo: Ave Maria edições, 1997. 256p.Ver mais
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